Por Vanara Carvalho Magalhaes
A Segurança Alimentar e Nutricional trata do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada entre 2017 e 2018 pelo IBGE, quatro em cada 10 famílias não tiveram acesso diário regular e permanente a quantidade suficiente de comida. E a fome tem afetado de forma mais severa as populações rurais do que as urbanas, atingindo potencialmente os povos originários, pequenos produtores rurais, quilombolas e populações ribeirinhas. Esses números devem ser agravados pelas crises econômica e sanitária do Covid-19.
A relação dos povos originários com a natureza é reconhecida como uma interação equilibrada, que mantém a diversidade local, pois não é exploratória. Essa relação existe através de experiências de observação dos ciclos naturais, desde a colheita, a coleta de sementes, plantio, até o controle do fogo e seu uso em benefício da fertilidade do solo, quais espécies plantar, a época do ano, etc. Os benefícios desta coexistência e interação repercutem na presença da matéria orgânica do solo, na existência das nascentes, na manutenção de lençóis freáticos e na reprodução de espécies animais e vegetais.
Os recursos alimentares tradicionais passaram de componentes da sobrevivência, a mercadorias necessárias às frentes de expansão do capital nacional. Segundo Elver Guerrero, engenheiro agrônomo e militante da Organização Social e Política Tierra Libre da Colômbia, existe um sistema global de alimentação, que controla sistemas regionais e impõe novos hábitos alimentares. Esse sistema global tem como sua base o monocultivo agrícola; desmatamento das vegetações nativas para abertura de pastos e plantações dos monocultivos; criação em grande escala de animais; intensidade de uso dos agrotóxicos; alta produção de alimentos ultraprocessados; crescimento desordenado de áreas urbanas, principalmente expansão das áreas fabris; e, padronização mundial da alimentação. Ou seja, é imposto a esses povos uma nova condição territorial, com a demarcação de terras que nem sempre atendem à manutenção tradicional da sobrevivência. Os sistemas de segurança alimentar e nutricional estabelecidos ao longo de milênios, em pouco tempo, foram modificados, gerando constantes crises alimentares.
Esse sistema pressiona comunidades tradicionais, forçando uma ocupação que geralmente se efetiva pela expulsão e/ou expropriação da terra e dos “territórios” de povos originais, posseiros e outros pequenos proprietários. A violência ocorrida nos territórios a partir desses confrontos permite o controle da população, através do medo e insegurança, tornando prejudicial a permanência das pessoas. Mais que a violência física, esses confrontos são a sobreposição de interesses de exploração às necessidades básicas de produção desses povos.
Tudo que é significativo para os povos tradicionais (a história e a cultura) é destruído. É retirado qualquer agente que possa permitir uma reivindicação identitária do território. As desonras e os sentimentos de insegurança são alimentados através das violações e abusos sistemáticos, que expulsam ou fragilizam estas populações.
A alimentação no Brasil é resultado do encontro de povos e culturas que formaram nossa nação e carrega em sua história a dor e o sofrimento dos povos originários e africanos escravizados, que se perpetuaram nas restrições de acesso à terra e aos modos de produção.
Referências:
- COSTA, Joaquim Gonçalves da. Soberania alimentar: dimensões material, prático -político e utópica- 1. ed. – Rio de Janeiro : UERJ, LPP, 2021. 766 p.
- ISLA, Ana; NOBRE, Miriam; MORENO, Renata; IYUSUKA, Sheyla Saori; HERRERO, Yayo. Economia feminista e ecológica: resistências e retomadas de corpos e territórios. São Paulo: SOF Sempreviva Organização Feminista, 2020.
- Manifesto da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional à Sociedade Brasileira sobre Comida de Verdade no Campo e na Cidade, por Direitos e Soberania Alimentar, 2015
- Palestra do IV Sábado Agroecológico: Segurança Alimentar e Nutricional (SAN)- COOPERAR (Maricá/RJ), 2021. Acessado em: Live da Palestra do IV Sábado Agroecológico: Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) – Cooperar
- SALGADO, Carlos Antonio Bezerra. Segurança alimentar e nutricional em terras indígenas. Revista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Brasília, v.4, n.1, p.131-186, jul. 2007
- SEGATO, Rita. La Guerra Contra Las Mujeres. Madrid: Traficante de Sueños, 2016
- Tierra Libre – Organización Social, Política y Comunitaria. (tierralibreco.org)