Por Tiago Faro
O aumento do interesse por alimentos orgânicos no Brasil é evidente, seja por uma preocupação com a saúde ou com o meio ambiente, o brasileiro vem se interessando de maneira mais efetiva. Segundo o “Panorama do Consumo de Orgânicos no Brasil 2021”, divulgado pela Associação de Promoção dos Orgânicos, de 2019 para cá o consumo teve um aumento em torno de 63%, , trazendo essa pauta para a ordem das políticas públicas. Seus preços, contudo, ainda se mantêm infelizmente, na categoria de bens de luxo para o consumidor final (FERREIRA; COELHO, 2017).
De fato, uma das principais forças que promoveu e manteve o sistema convencional de produção foram os baixos preços, obtidos a partir da massificação da produção, possibilitada justamente pelo uso da monocultura latifundiária e agrotóxicos — dessa forma entende-se como “natural” que em contrapartida, os orgânicos, sejam mais caros. Eles também são tratados como um nicho de mercado pelos grandes e médios varejistas, que cobram mais mirando um grupo de alta renda — a ideia de que “orgânico é caro porque tá na moda”.
Ainda assim, o preço atual de uma abobrinha orgânica não necessariamente reflete o custo de produção e de distribuição, existem outros fatores que os encarecem. Dois entraves especificamente merecerem especial atenção na luta por uma alimentação sustentável: o legal e o tributário. Esses são essencialmente a extensão política da força do agronegócio convencional, que por meio do lobby trabalhou com os corpos legislativos para moldar o sistema de impostos em seu benefício (Coratto, 2019). Contudo, justamente por tais entraves não se tratar de forças econômicas, e sim “letra escrita”, estão muito mais suscetíveis a mudanças, o que se caracteriza como avanço dos alimentos orgânicos.
A perspectiva tributária talvez seja a mais urgente das duas. As diferentes formas de isenção de alíquotas que agrotóxicos recebem se traduzem em enormes perdas de arrecadação pública. Consequentemente, o dinheiro deixado na mesa fica com a indústria agroquímica, fortalecendo-a dessa forma. Um estudo de 2019, estima que em 2015 os Estados e a União deixaram de receber até 5 bilhões de reais (Coratto, 2019). Para citar alguns exemplos, os tributos PIS (Programa de Integração Social), PASEP (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público) e COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) tem suas taxas reduzidas a zero para importação ou comercialização de agrotóxicos e fertilizantes dentro do mercado interno. Já o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), por ser de competência dos Estados e Distrito Federal, é definido em reuniões entre eles. De 1997 a 2019, tinha-se acordado uma redução em 60% no cálculo base aplicado a saídas interestaduais de agrotóxicos, sendo possível reduzir a zero o imposto em movimentações dentro dos Estados (Coratto, 2019).
Estes, contudo, são apenas dois casos dentro de um complexo sistema tributário. Essa complexidade leva a pesquisas que buscam compreender o porquê serem especialmente difíceis e porque excluem o público geral de um debate ativo sobre a questão. Além disso, existem outras repercussões — como calcular, por exemplo, os gastos com saúde pública, decorrentes dos danos que pesticidas, inseticidas e outros defensivos causam à população?
Voltando à questão principal, o resultado dessa ampla lógica de incentivo fiscal ao modo convencional de produção é deixar o orgânico muito menos interessante para o agricultor. Essa lógica se perpetua com produtos ultra processados também, mais um incentivo na direção contrária. Em um estudo realizado por Arnoldo de Campos, ex-secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e pela consultora Edna Carmélio, demonstrou que um litro de suco de uva orgânico paga 5,72 reais em tributos, enquanto o néctar convencional custa apenas 1,47 reais. O ponto chave aqui é que não estamos falando de despesas de produção, e sim de determinações públicas sobre qual produto deve ter preferência no mercado brasileiro — determinações que podem ser revisadas.
Em relação ao entrave legal, cabe apontar que o Brasil já tem um sistema de certificação de orgânicos desenvolvido. A certificação pode ser feita por auditoria externa ou por uma empresa contratada, método mais tradicional, mas que demanda grandes despesas do produtor e da empresa. Também pode ser feita por um Sistema Participativo de Garantias (SPG), em que agricultores, comerciantes, técnicos e outros agentes se aliam para fiscalizar que a produção se enquadre nas exigências técnicas. Por último, existem as organizações de controle social (OCS), em que os agricultores familiares podem se cadastrar, permitindo a venda para programas públicos como o PAA e PNAE e venda direta para o consumidor final, mas sem certificação de fato (Maciel, 2019).
Entretanto, esse sistema ainda apresenta dificuldades para o pequeno produtor, como demonstra Maciel (2019) ao revisitar a literatura do tema. A documentação exigida para certificação costuma exigir um conhecimento técnico-legal inacessível para pequenos produtores, especialmente para produtos de origem animal como o leite, cuja legislação certificadora é escassa. Também há a preferência do mercado pela auditoria externa, restringindo produtores que não alcançam tal exigência à comercialização regional em feiras. Nesse sentido, instituir um sistema de certificação pública, uma medida perfeitamente dentro do campo do possível, seria extremamente democratizante.
O tema tratado aqui é vasto e complexo, neste breve texto buscou-se apenas indicar de forma simplificada as aberturas para a expansão de um modo de produção e vida sustentáveis. Alguns marcos, como o Guia Alimentar da População Brasileira, já nos dão a base teórica para poder defender tais ideias, nos resta agora encontrar os caminhos para aplicá-los em nível nacional.
Referências:
CAMPOS, A.A.; CARMÉLIO, E.C. O papel da tributação como propulsora da desnutrição, obesidade e mudanças climáticas no Brasil. [S.L]: ACT Promoção da Saúde, 2022. Disponível em: . Acesso em 02/11/22.
CORRATO, B.P.; TURATTI, L.; REIMERS, C. Tributação e Agroecologia: a necessária superação do paradigma econômico predominante. In: JOHANN, L. et al (Orgs.). Alimentos Orgânicos: dinâmicas na produção e comercialização. Lajeado: Univates, 2019. p 104 – 118.
FERREIRA, A.S.; COELHO, A.B. Substituição entre Alimentos Orgânicos e Convencionais no Brasil: o papel dos preços e dispêndio. RESR, Piracicaba-SP, Vol. 55, Nº 04, p. 625-640, Out/Dez 2017
MACIEL, M.J.; MATTEI A.; REMPEL, C. Alimentos Orgânicos e Legislação. In: JOHANN, L. et al (Orgs.). Alimentos Orgânicos: dinâmicas na produção e comercialização. Lajeado: Univates, 2019. p 118 – 128.