Por Nara Carvalho
O modelo atual de produção alimentar mundial é baseado numa economia de escala, linear e fundamentada na agroindústria, consistindo em “produzir – consumir – eliminar”. Os resultados diretos dessa produtividade de alimentos, estão diretamente ligados a: recursos finitos, desperdício, poluição e prejuízo dos sistemas naturais. Outras desvantagens bem conhecidas relacionadas a essa forma de consumir alimentos, incluem também a desnutrição e a obesidade, além dos custos financeiros envolvidos. De modo geral, para cada dólar gasto em alimentos, a sociedade paga dois dólares com custos de saúde, aspectos ambientais e econômicos. Metade desses custos, cerca de quase 6 trilhões de dólares por ano, se deve à linearidade da produção. Dentre os impactos prejudiciais desses métodos utilizados, estão doenças causadas pela poluição do ar e contaminação da água, exposição a pesticidas e aumento da resistência antimicrobiana. Algumas das principais causas para essas consequências são o uso excessivo de fertilizantes e antibióticos em animais e resíduos humanos não tratados. Atualmente, o agronegócio, que é responsável por quase 25% das emissões de gases de efeito estufa global, degrada os recursos naturais dos quais depende além de poluir o ar, a água e o solo. Isso demonstra que tal modelo é insustentável e que a economia circular surge como alternativa a esse padrão atual.
A economia circular é um modelo de desenvolvimento sustentável que consiste num padrão de produção e de consumo que envolve partilha, reutilização do solo, reparação e reciclagem de materiais e de produtos existentes, prolongando, deste modo, o ciclo de vida dos mesmos, garantindo uma maior eficiência na utilização e gestão de recursos.
As cidades têm uma oportunidade singular de iniciar uma transformação voltada à economia circular dos alimentos, dado que 80% de todos os alimentos devem ser consumidos nas cidades até 2050. Transitando em direção a uma economia circular dos alimentos, as cidades podem ajudar a concretizar essa visão enquanto geram benefícios ambientais, econômicos e de saúde significativos dentro e além de suas fronteiras. Elas são capazes de contribuir através da utilização de três modos diretos:
1) Adquirir alimentos produzidos de forma regenerativa e, de preferência, localmente.
As cidades podem influenciar de forma significativa a maneira como os alimentos são cultivados, principalmente interagindo com produtores em seus entornos periurbanos e rurais. Oferecer aos moradores das cidades a oportunidade de fortalecer sua ligação com os alimentos e os agricultores que os cultivam, frequentemente aumentando a probabilidade das pessoas exigirem alimentos cultivados usando práticas regenerativas que beneficiam o ambiente local e sua própria saúde. A origem local também pode reduzir a necessidade de embalagens excessivas e encurtar as cadeias de distribuição. As abordagens regenerativas para a produção de alimentos irão assegurar que os alimentos que entram nas cidades sejam cultivados de maneira que aprimore o ambiente, em vez de degradar, e ainda criar muitos outros benefícios sistêmicos.
2) Aproveitar os alimentos ao máximo
Sendo destino final da maior parte dos alimentos, as cidades podem garantir que coprodutos inevitáveis sejam usados em seu mais alto valor, transformando-os em novos produtos que vão desde fertilizantes orgânicos a biomateriais, medicamentos e bioenergia. Em vez de um destino final para os alimentos, as cidades podem se tornar centros de transformação de coprodutos alimentícios em uma gama de materiais valiosos, impulsionando novas fontes de receita em uma bioeconomia florescente, eliminando completamente o conceito de “resíduo”, que seria visto no conceito atual de produção como “lixo”. Revela-se um artifício superior para a melhor resolução do desperdício alimentar em comparação com outras soluções, tais como o uso destas perdas para a alimentação de animais e compostagem, no sentido que se reaproveita produtos transformados, parcialmente transformados ou não transformados para consumo humano, obtendo-se novos produtos e/ou novos ingredientes alimentares, combatendo de forma mais direta as graves consequências sociais, como a pobreza e a desnutrição.
3) Desenvolver e comercializar produtos alimentícios mais saudáveis
Em uma economia circular, o design dos produtos alimentícios não visa somente garantir que sejam saudáveis do ponto de vista nutricional, mas também na maneira como são produzidos. Uma parte significativa dos alimentos ingeridos atualmente foi desenvolvida de alguma forma por empresas de alimentos e outros fornecedores. Essas organizações formataram nossas preferências e hábitos alimentares por décadas, principalmente nas cidades, e agora podem ajudar a reorientá-los para apoiar os sistemas alimentares regenerativos. Um exemplo seria os designers de alimentos inovarem com novas opções de proteínas vegetais como alternativas à carne e aos laticínios e encorajar os consumidores para o seu consumo. Os designers também podem desenvolver produtos e receitas que usam coprodutos dos alimentos como ingredientes que possam ser devolvidos de forma segura ao solo ou valorizados na bioeconomia mais ampla. Assim, as empresas podem ter um papel na eliminação de resíduos de alimentos, criando produtos deliciosos e saudáveis como opções fáceis e acessíveis para pessoas no dia a dia.
As três ambições terão mais impacto se perseguidas simultaneamente. As empresas de produtos alimentícios atraentes usariam ingredientes disponíveis mais localmente e sazonais, aumentando a ligação das cidades com os agricultores locais e poderiam ajudar a impulsionar a transição para práticas regenerativas. O uso de mais ingredientes locais provavelmente aumentaria a rastreabilidade dos alimentos e, portanto, potencialmente, sua segurança. De forma semelhante, tornar o adubo e os fertilizantes derivados de coprodutos dos alimentos atraentes para agricultores periurbanos ajudaria a impulsionar os esforços nas cidades para coletar e aproveitar ao máximo esses coprodutos e outros materiais orgânicos. Como centros de inovação e conectividade, as cidades estão posicionadas de forma ideal para fazer a ligação de todos os elementos da cadeia de valor dos alimentos com sucesso. Atingir essas três ambições permitiria que as cidades deixassem de ser consumidoras passivas para serem catalisadoras ativas de mudança e gerassem benefícios que poderiam ser desfrutados pelas pessoas em todo o mundo.
Referências:
- DE LIMA, AÍAS SANTINO. Economia Circular E Análise Water Pinch Aplicadas A Um Caso De Estudo Na Indústria Alimentar. (2020). 99 f. Dissertação (Mestrado em engenharia civil – ramo de gestão da construção). Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), Porto, 2020.
- ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, Cidades e Economia Circular dos Alimentos (2019)
- FERRO, MARIA ISABEL DA TRINDADE. Sistema Alimentar de Proximidade e Economia Circular de Base Social. O caso de Montemor-o-Novo. (2020). 240 f. Dissertação (Mestrado em engenharia Urbanismo Sustentável e Ordenamento do Território). Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 2020.
- JESUS, CARLOS E PIRES, IVA. “FECHAR O CICLO”. A Contribuição Da Economia Circular Para O Combate Ao Desperdício Alimentar. (2018) Revista Ecologias Humanas Vol. 4 nº. 4 pgs. 7–20 2018
- SOUSA, PEDRO MANUEL; MOREIRA, MARIA JOÃO; MOURA, ANA PINTO DE; CUNHA, LUÍS MIGUEL. Conceptualização E Perspetivas Do Consumidor Face À Economia Circular Na Valorização De Novos Produtos/Ingredientes Em Contexto Alimentar: Um Estudo Exploratório. (2021) CAPTAR volume x número x p xx-xx DOI: https://doi.org/10.34624/captar.v0i0.22954