por Luíza B. Botelho

Vamos ampliar nosso diálogo?! Para dar início a nossa troca, precisamos primeiro debater brevemente o que é um guia alimentar e em que contexto ele surgiu.

De acordo com a Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Ministério da Saúde) “os guias alimentares são instrumentos que definem as diretrizes utilizadas na orientação de escolhas alimentares saudáveis pela população”.

O primeiro guia alimentar que tivemos no Brasil foi publicado em 2006, durante o primeiro governo do presidente Lula. Vale ressaltar que uma das características mais marcantes do seu governo foram as implementações de políticas públicas de combate à fome e insegurança alimentar, como por exemplo o Programa Fome Zero e o Programa Bolsa Família.

Após transformações sociais que impactaram a sociedade brasileira e suas condições de vida, saúde e nutrição – algumas resultantes, principalmente, dessas políticas públicas e da globalização – foi necessária uma revisão do Guia para apresentar novas recomendações sobre escolha, preparo e consumo de alimentos. Sua segunda edição, publicada em 2014, reafirma e reformula princípios da alimentação adequada e saudável como um direito humano básico.

Mas então qual a diferença entre a primeira e a segunda edição do Guia?

Em entrevista à Rede de Alimentação e Nutrição do Sistema Único de Saúde (Redenutri), o Coordenador da segunda edição do Guia, Carlos Augusto Monteiro, afirmou que a nova versão se assemelha com a anterior, mas que devido ao progresso do conhecimento científico é natural que ocorram renovações. As mudanças que caracterizam o Guia atual, são as categorizações dos alimentos e o destaque às circunstâncias que envolvem o ato de comer, que levam em consideração o novo sistema alimentar contemporâneo, muitas vezes individualizado.

Agora que conseguimos compreender um pouco mais sobre o guia, podemos falar sobre as suas categorizações para que tenhamos compreensão sobre como os ultraprocessados se inserem nessa cadeia alimentar.

Antes de falarmos de consumo de cada grupo de alimento, vamos entender como o Guia Alimentar divide os alimentos:

In natura e/ou minimamente processados

Os alimentos in natura, são aqueles obtidos diretamente de plantas ou de animais e não sofrem qualquer alteração após deixar a natureza. Como por exemplo: legumes, verduras, frutas, raízes e tubérculos.

Já os alimentos minimamente processados são os alimentos in natura que recebem algum tipo de tratamento posterior a sua retirada da natureza. Ou seja, podem passar por um processo de limpeza, remoção de algumas partes, refrigeração e outros processos que não envolvem a adição de demais ingredientes/alimentos mantendo sua origem o mais natural possível. Como por exemplo: os alimentos indicados acima em alguma embalagem, condicionados a algum corte, arroz, frutas secas ou em sucos (sem adição de açúcar ou outros aditivos), leite e ovos.

Extrações de alimentos in natura, designados como “óleos, gorduras, sal e açúcar”

São produtos extraídos de alimentos in natura e passam por algum processo de prensagem, moagem, trituração, pulverização e refino. Como por exemplo: óleos de soja/milho, manteiga, açúcar e sal.

Processados

São alimentos fabricados pela indústria e que levam em sua composição adição de sal, açúcar e demais substâncias que o tornem duráveis e agradáveis ao paladar. Como por exemplo, cenoura, pepino, cebola preservados em salmoura (picles), extratos ou concentrados de tomate, frutas em calda, atum enlatado e queijos.

Ultraprocessados

São formulações industriais feitas inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos (como os óleos, gorduras, açúcares, amidos e proteína) ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas (corantes, aromatizantes, realçadores e demais aditivos). Como por exemplo: Biscoitos recheados, salgadinhos embalados, barras de cereal, misturas prontas de bolo, bebidas açucaradas dentre muitos outros.

Compreendendo onde se encaixam esses alimentos e/ou produtos, o Guia ainda indica como devemos consumir cada um deles, com o intuito de promover uma alimentação equilibrada.

Os alimentos in natura devem ser a base da nossa alimentação pois possuem ampla e variada quantidade de energia, calorias e nutrientes. Quando combinados com pequenas quantidades de alimentos minimamente processados, agregam sabor e se complementam nutricionalmente, além de contribuir para um sistema alimentar “socialmente mais justo e menos estressante, interfere nos cuidados com o ambiente físico, os animais e também com a biodiversidade em geral”, uma vez que muitos desses alimentos são obtidos através da agricultura familiar.

O Guia ainda comenta sobre a diminuição do consumo se alimentos de origem animal, que estariam classificados em minimamente processados. De modo que, compreende essa produção como responsável por muitas características ambientalmente negativas, tais como a emissão de gases nocivos, contaminação de água e do solo através de dejetos, dentre outros.

Os óleos, gorduras, sal e açúcares contribuem para a diversificação e preparação dos alimentos in natura. Tornando-os mais saborosos. Contudo para seu uso benéfico é necessário que seja utilizado em pequenas quantidades.

Já os alimentos processados ao passarem pelo processo industrial tem como principal objetivo aumentar a durabilidade dos alimentos in natura e minimamente processados. Esse processamento altera desfavoravelmente a composição nutricional dos alimentos. Tais alimentos devem ser consumidos de forma reduzida em composição com alimentos in natura e também observando a composição dos rótulos dando preferência àqueles que possuem menor teor de sal e açúcar.

E por último, mas não menos importante, e muito pelo contrário, extremamente necessário para o nosso debate, os ultraprocessados. O Guia indica que os ultraprocessados devem ser evitados. Para além de serem nutricionalmente desbalanceados, favorecem um consumo excessivo de calorias. A produção desses alimentos é feita por grandes indústrias que afetam de modo negativo a cultura, vida social e meio ambiente.

A seção de ultraprocessados no guia tem o propósito de evidenciar todos os danos e desvantagens que o consumo desses alimentos podem nos causar como indivíduos e sociedade.

Para caminharmos para o que seriam as considerações finais precisamos pontuar que, como indivíduos, pesquisadores e estudantes, temos que sair da bolha gastronômica para entender o que está fora dela, compreendendo ao invés de julgar os hábitos alimentares de outras pessoas. Não devemos adotar uma posição de ditar o que o outro pode fazer ou deixar de fazer e sim ampliar a quantidade de informações e assim colaborar com as escolhas alimentares de um grupo.

A alimentação é uma necessidade do ser humano. Contudo ela está ligada a disponibilidade dos alimentos x orçamento financeiro das famílias. Antes o tempo da colheita e da refeição era ditado pela natureza, pelas estações e necessidades do dia a dia, com uma lógica de produção bem mais próxima da ingestão. Contudo, desde a Revolução Industrial – metade do século XVIII e XIX – a indústria alterou o cotidiano do consumidor e sua percepção com a alimentação,. O alimento industrializado passa a ser mais prático e mais atrativo. Embora busquemos uma alimentação adequada, saudável e o mais natural possível, devido à massificação das campanhas de marketing relacionadas ao prático, fácil e rápido, muitas pessoas podem considerar o natural pouco prático, devido a demanda ligada ao fazer, no que diz respeito a , tempo, dinheiro e conhecimento sobre os alimentos. É em função dessas questões, que a indústria se insere e continua firme e forte, se aproveitando do pouco poder aquisitivo de algumas classes, para intensificar a comercialização dos alimentos ultraprocessados, na tentativa de substituir os alimentos elaborados de forma natural.

Resumindo, todas essas questões estão vinculadas a um problema social. Nosso esforço pessoal deverá estar sempre voltado para a participação pública e política para que pensemos – coletivamente – em resoluções para esse problema social.

Referências:

  • Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira (versão para consulta pública). Brasília: MS; 2014.
  • FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. ConVid Adultos: pesquisa de Comportamentos. Fiocruz: Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: https://convid.fiocruz.br. Acesso em: 10 ago. 2021.
  • IDEC. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. “Pandemia: aumento de consumo de ultraprocessado pelo Brasil”. Disponível em: https://idec.org.br/noticia/pandemia-aumento-de-consumo-de-ultraprocessados-pelo-brasil Acesso em 10 ago. 2021
  • LOPES FERREIRA VINHAS, A. (In)segurança alimentar no Brasil: uma análise das políticas públicas dos governos de Lula. Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía, [S. l.], n. 19, p. 177 – 186, 2010. DOI: 10.15446/rcdg.n19.16865. Disponível em: https://revistas.unal.edu.co/index.php/rcg/article/view/16865. Acesso em: 10 ago. 2021.
  • OLIVEIRA, Kaynã de. “Aumenta preocupação com consumo de alimentos ultraprocessados durante pandemia”. Jornal da USP, 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/aumenta-preocupacao-com-consumo-de-alimentos-ultraprocessados-durante-pandemia/ Acesso em 10 ago. 2021
  • SCHAPPO, S. Fome e insegurança alimentar em tempos de pandemia da covid-19. SER Social, [S. l.], v. 23, n. 48, p. 28–52, 2021. DOI: 10.26512/sersocial.v23i48.32423. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/32423. Acesso em: 26 jul. 2021.
  • Promoção da Saúde e da Alimentação Adequada e Saudável> Guias Alimentares https://aps.saude.gov.br/ape/promocaosaude/guias
  • Entrevista Redenutri – Carlos Monteiro – Consulta Pública Guia Alimentar http://ecos-redenutri.bvs.br/tiki-index.php?page=consultaguia